Paulo Moura visita Gershwin & Jobim - Rhapsody in Bossa
Pau Brasil, 1998


01. 08:52  Rhapsody in blue / Samba do avião / Só danço samba / I got rhythm      
02. 03:24  Surfboard      
03. 03:33  Água de beber      
04. 05:24  Falando de amor      
05. 04:35  Prelúdio II      
06. 06:50  Lady be good      
07. 07:33  I've got Plenty O'Nuttin      
08. 07:01  The man I love      
09. 06:15  Embraceable You      
10. 06:04  Summertime      
11. 11:09  Este seu olhar / Eu sei que vou te amar / Eu não existo sem você / Se todos fossem iguais a você      


À frente de um septeto instrumental de primeira linha, Paulo Moura inclui violino e vibrafone e sugere, neste disco, que as afinidades entre a música de Jobim e Gershwin são maiores do que supõe a vã musicologia. E é em sua origem negra, fonte comum, expressa na forma melódica da obra dos dois compositores, e não apenas na base rítmica mais aparente, que esses laços se evidenciam. Assim, Gershwin embebido no jazz do Harlem e Tom Jobim extraindo a bossa nova do samba dos morros cariocas, ambos exímios melodistas de formação erudita, são integrados num mesmo sabor mestiço. Para esta pequena orquestra popular, Paulo Moura produziu arranjos supreendentes e solos para sax alto e clarineta que foram gravados ao vivo, em julho de 1998, no teatro do Sesc Vila Mariana, São Paulo. Paulo Moura visita Gershwin & Jobim - Rhapsody in Bossa
Pau Brasil

Arranjos:
Paulo Moura em Rapsódia em Bossa, Surfboard, Falando de amor, I’ve got plenty O’ Nuthin, Poutpourri Tom Jobim
Cliff Korman: Água de Beber, Lady be Good, Embraceable You
Paulo Moura e Nelso Faria: Summertime

Direção musical: Paulo Moura
Concepção original do projeto: Halina Grynberg e Paulo Moura
Produzido por Rodolfo Stroeter

Coordenação de programação do Projeto SESC Tom e Gershwin: Marcos Roberto Laurenti

Produção executiva: Pau Brasil Music

Argumento, projeto gráfico e fotos: Marcílio Godoi
Assistente de produção: Elisa Rocha
Fotos Tom Jobim: Arquivo Jobim Music
Assessoria jurídica: Luciana Freire Rangel
Coordenação técnica: Ana Paula Malteze Mancebo
Gravação: Audio Mobile
Mixagem: Estúdio SESC Vila Mariana, por Manny Monteiro, João Zílio e Rodolfo Stroeter
Assistente de estúdio: Felipe Vasquez
Masterização: Clube Estudio por Alberto Ranelucci
Sem título
Paulo Moura

"Não será o jazz que influencia o samba – é a bossa nova brasileira que vai reler o jazz…

Gershwin e Jobim, tão branquinhos e tão amarrados na música negra…"




PAULO MOURA VISITA GERSHWIN & JOBIM
Crítica de Carlos Calado - 25/9/2000

Não é à toa que, ao demonstrar admiração por Tom Jobim, os músicos de jazz costumam compará-lo a mestres da canção norte-americana, como George Gershwin ou Cole Porter. Quem nunca tinha pensado nisso, certamente vai se surpreender com esta gravação realizada ao vivo, em julho de 1998, no teatro do Sesc Vila Mariana, em São Paulo. À frente de um septeto instrumental de primeira linha, Paulo Moura sugere que as afinidades entre a música de Jobim e a de Gershwin são maiores do que se imagina. A demonstração dessa quase tese musical começa com o pot-pourri Rhapsody in Bossa, que funde a clássica Rhapsody in Blue, de Gershwin, com o Samba do Avião e Só Danço Samba, do maestro da bossa. Tanto a instrumentação (destacando o clarinete de Moura, o violino de Jerzy Milewsky e os pianos e teclados de Jota Moraes e Cliff Korman), como a interpretação do grupo, podem levar um incauto até a pensar que essas músicas foram compostas pelo mesmo autor. Em Água de Beber, o procedimento é diferente: o ritmo e o improviso de Moura (novamente ao clarinete) emprestam a esse samba jobiniano um caráter bastante jazzístico. Já na versão da balada Embraceable You (outra pérola do norte-americano), o mesmo artíficio é utilizado em sentido inverso: o sax alto de Moura começa improvisando-a como um standard jazzístico e termina em ritmo de samba. Algo semelhante acontece na versão da conhecida Summertime, introduzida por uma bem-humorada citação de Garota de Ipanema: o clássico tema de Gershwin acaba virando samba. Ouvidos sem preconceito, esses inventivos arranjos de Moura, de Korman e do guitarrista Nelson Faria revelam a qualquer um o que os jazzistas perceberam ainda nos anos 60: as obras de Jobim e Gershwin são frutos preciosos de tradições musicais muito próximas. E hoje soam clássicas.




Tributo a Tom e Gershwin
Danilo Santos de Miranda

Realizar o Rhapsody in Bossa: Tom & Gershwin foi mais do que um pretexto para comemorar os cem anos de nascimento de George Gershwin e os quarenta anos da Bossa Nova, da qul Tom Jobim é um dos nomes mais importantes. Foi, antes de mais nada, uma oportunidade para celebrar a música de dois dos compositores mais sensíveis e inventivos da música popular norte-americana e brasileira, responsáveis por uma produção artística que modificou definitivamente a música contemporânea.
Ambos souberam, como ninguém, condensar o produto de influências culturais diversas para criar uma cultura musical nova, que logo assumiu feição universal e tornou-se patrimônio cultural de toda a humanidade.
Ambos são internacionalmente considerados pelos críticos como a expressão máxima de refinamento na música popular de seus países. Embora Gershwin nunca tenha ouvido Jobim – que apareceu na década de cinqüenta –, certamente o genial Tom ouviu muito o seu ilustre colega norte-americano, beneficiou-se de sua influência e tomou-o como mestre.
Os dois nunca se encontraram mas certamente tem em suas obras pontos de encontro. Rhapsody in Bossa: Tom & Gershwin realizou esse encontro que nunca houve, como uma forma de destacar a importância da fusão e da miscigenação de culturas e raças que cada um deles soube trazer para a música.
Foi um evento musical global que mesclou apresentações com workshops, ensaios abertos e a gravação ao vivo deste CD. Na direção do conjunto musical, formado para levar adiante o projeto, esteve o maestro Paulo Moura, outro grande destaque internacional da moderna música brasileira.
Num mundo em que cada vez mais as fronteiras nacionais perdem o sentido, o CD Rhapsody in Bossa: Tom & Gershwin é uma prova convincente da convivência pacífica e frutífera de culturas diversas.
Para o SESC, a realização deste projeto significou colocar ao alcance do grande público um produto cultural especial e inspirado, democratizando a prática cultural e o acesso às artes.




Porque imaginei um encontro entre Gershwin e Jobim?
Halina Grynberg

É que as músicas dos dois são lindas, é um tremendo prazer tocar, tem uma fluência harmonica sofisticadíssima e ainda permite improvisações maravilhosas… Esta é a razão verdadeira! Mas é algo que parece não bastar como justificativa num texto, pelo menos para aqueles que não são exclusivamente músicos. Mas não é difícil encontrar razões mais elaboradas, mais eruditas.
A música popular brasileira e a americana são as mais fecundas e expressivas do nosso tempo. E nelas, os maiores melodistas, os mais arrebatadores compositores foram Gershwin e Jobim. Cada um em sua linguagem própria promovendo uma leitura particular de suas origens e culturas.
A civilização musical européia é uma marca nítida de ambos. Jobim, com o piano de tradição francesa, depois impregnado de Villa Lobos; Gershwin com suas linhagens russas orientais, fortemente judaicas.
Entre os dois outro traço comum: a retradução do ritmo africano, negro.
Um namorou o jazz, sendo americano; o outro namorou o jazz também, mas, sendo brasileiro, inventou a bossa nova. Como se a cultura européia de ambos tivesse sido colonizada pelo forte desenho e estrutura rítmica do continente africano. Cinqüenta anos separam a morte de Gershwin da invenção Jobiniana, mas a africanidade os reuniu. São brancos de alma negra.
Sendo eu de origem africana, nunca tive dificuldade de entender o jazz, sua sensibilidade, sua expressividade blue. Mas, tive dificuldade em ser aceito pela bossa nova. E, por isso, sempre tive com ela uma ligação ambivalente, admiração e afastamento. Como uma criação da zona sul do rio, branca e elitizada, manteve em seus grupos apenas a presença de uma bateria quase estilizada, excluindo ritmos e artistas negros de sua formação. Os instrumentos percussivos, referência ao samva, perderam a vez. Nada de pandeiros, tamboresm ganzás… Nada que lembra-se a mãe África. Nem mesmo pela cor de seus instrumentos de sopro, como eu.
Por isso tem um doce sabor de ironia a minha paixão por Gershwin e Jobim. Tão branquinhos, e tão amarrados no sabor negro. Refiz o nó pelo avesso: agora é um músico de origem negra que os invade, os retoma, os explora. Uma inversão de tendência, degustação passo a passo, compasso a compasso. A percurssão Africana transforma-se em vibrafone. O violino judaico samba em métricas brasileiras, Não é o jazz que influencia o samba – é a bossa nova brasileira que relê o jazz.
Fizemos o Rhapsody com os sabores da bossa, novíssima, porque negra de alma brasileira.

(A partir da entrevista com Paulo Moura)


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