Corte e costura
Paulo Moura e João Donato  
 

Paulo Moura Escolhemos as músicas, Donato e eu, puxando da memória aquelas que mais eram tocadas nas jam sessions que o Sinatra-Farney Fã Clube produziu nos anos 50. Recordo muito de um show no antigo Cassino Atlântico, onde os artistas se apresentavam em quadros e tinha aquela dança extravagante da época, o jitterbug. Um dos quadros era com Al Johnson cantando Swanee, que acabou entrando no nosso repertório. Outro era uma homenagem ao Frank Sinatra, That Old Black Magic, cantada por outro integrante do Sinatra/ Farney, o Luiz Carlos.

João Donato Essas lembranças chegavam e nós fomos tocando. Além de outras que eram agradáveis aos nossos ouvidos, como Copacabana, A Saudade Mata a Gente e Tenderly.

PM E assim fomos compondo o repertório. Uma música que talvez tenha sido a primeira música com a forma de bossa nova que eu conheci, foi Minha Saudade, do Donato e João Gilberto. Eu a gravei no meu primeiro disco - foi provavelmente a primeira gravação desta música.

JD Tem também as nossas novas invenções: Sopapo e Pixinguinha no Arpoador. O tí­tulo Pixinguinha no Arpoador é do Paulo e a inspiração surgiu das primeiras notas de Carinhoso. Quando nos encontramos na casa do Paulo, eu fiz uns acordes - la la la ri - e o Paulo falou: "o que é isso?". Eu disse que não era nada, mas eram as primeiras notas do Carinhoso. Saí­mos tocando, até que virou um samba-canção parecido com Carinhoso (risos) e com La Vie en Rose.

PM Mas Pixinguinha no Arpoador me diz muito porque já há algum tempo eu estava tentando encontrar uma maneira de tocar com Donato. Um amigo em comum perguntou por mim ao Donato e ele respondeu: "o Paulo está no chorinho". Aí­ um dia desses eu encontrei o Donatinho (filho de João) num show e mandei um recado: "diz pro Donato que eu não toco só chorinho, não". Então, quando nos encontramos, a música acabou saindo porque talvez essa ideia já estivesse no ar. E Sopapo foi quando você estava indo embora da minha casa, depois daquele primeiro encontro.

JD É, tinha aquele tambor de Pelotas e eu fiquei batucando e ele tocando. Saí­mos fazendo uma música que o Paulo batizou de Sopapo.

PM Sopapo é o nome de um tambor daquela região do Rio Grande do Sul, o qual me presenteou o percussionista Giba-Giba.

 

Sinatra-Farney Fã Clube

PM Moravamos próximos, na Tijuca. A primeira vez que encontrei o Donato eu estava tocando num baile, no Flamengo, domingo, na orquestra do El Cubanito. O Donato e mais dois amigos entraram no finalzinho, enquanto eu esperava o pagamento. Então ele foi ao piano e tocou uns acordes e eu fiquei impressionado: aquilo não se fazia. Isso aconteceu mais ou menos no final dos anos 50.

JD Conversamos ali mesmo, trocamos ideias, ficamos sabendo que moravamos no mesmo bairro.

PM Lembro de ter visto o Donato no Sinatra-Farney, depois ele me convidou para tocar no seu primeiro disco, o Chá Dançante - João Donato e seu Conjunto, de 1956. Foi a continuação do nosso encontro.

JD A gente não parou mais de se encontrar.

PM Começamos a tocar no piano da alfaiataria do meu irmão Alberico, onde eu aprendia o ofí­cio de alfaiate. Na época, eu tocava saxofone. Nós acompanhavamos o desenvolvimento do jazz.

JD Gostavamos de ouvir músicas de jazz, tocar nas jam sessions.

PM Em seguida começamos a ensaiar um grupo com dois saxofones, trompete, trombone e piano. Eu e o Bebeto no saxofone, o Bill Horne no trompete, o João Luí­s no trombone, o Everardo Castro na bateria, o Marinho no baixo e o Donato no piano. Levamos esse grupo para concertos e festivais de jazz no Rio e em São Paulo.

JD Aí­ os trabalhos começaram a aparecer, começamos a gravar e o tempo a diminuir.

Reencontro

JD Fomos nos encontrar de novo numa gravação de Gaiolas Abertas, uma parceria com Martinho da Vila, em seu disco Verso e Reverso (1982). E na gravação de uma trilha de filme (risos): tinha um acorde que era dó maior, eu fiz uma outra coisa, um acorde errado. E o Paulo disse: "ah, então tá bom."

PM A múica era em dó maior. E você terminou a música em dó menor. Mas os estudiosos de música dizem que essa coisa de dó maior e dó menor não existe mais. Os dois podem conviver juntos. (risos)

JD Por último, em janeiro de 2006, na casa do Carlos Manga.

PM Chegamos lá para o aniversário do Manga e achei que seria uma boa oportunidade para a gente voltar a tocar junto. Levei o instrumento. Ainda pensei: será que levo ou não levo? No primeiro momento, não sabia que o Donato também tinha sido convidado. Quando soube, resolvi levar a clarineta, pois sabia que tinha piano na casa.

JD Tocamos com tanto entusiasmo que a Halina veio com essa ideia de fazer o disco, e a Ivone se animou. Enfim, desse encontro na casa do Manga surgiu o CD.

PM O Carlos Manga era o presidente do Sinatra-Farney Fã Clube. Sem ele nada acontecia.

JD Ele agregava todos. Naquela época, conseguir discos de jazz era muito difí­cil. Se alguém arranjava um disco do Chet Baker, ele reunia todo mundo para ouvir. O clube tinha carteirinha e os sócios pagavam mensalidade.

PM Lembro de uma jam session na casa do Carlos Manga. Ele morava numa casa bonita, na conde de Bonfim, acho que era uma casa meio rosa. Ele convidou músicos do Copacabana Palace, o Zacarias, o Romeu. No baixo tava o Juvenal. Nos ensaios ele era bastante firme, tomava decisões com muita segurança. Já na época ele tinha muito talento para dirigir e bolar os shows.

Entrevista gravada em 8 de abril de 2006, no Rio de Janeiro.