Paulo Moura: um sopro de versatilidade
Miguel Sá
Jornal Musical
 
 

Sócio remido do SindMusi, em mais de 50 anos de carreira, Paulo Moura já experimentou as mais diversas linguagens da música instrumental, seja na música erudita – formado pela Escola Nacional de Música, foi clarinetista da Orquestra do Teatro Municipal durante 17 anos – seja no popular, onde transita do jazz ao samba com igual desenvoltura. O saxofonista e clarinetista é também uma das pessoas mais produtivas do cenário musical brasileiro. Só neste ano de 2007 já lançou dois CDs; um pela Rob Digital, o Samba de Latada, com o cantor pernambucano Josildo Sá, e outro pela Biscoito Fino: a reedição de um CD com músicas de Dorival Caymmi lançado em 1991 em parceria com o grupo Ociladocê. No seu escritório, Paulo Moura recebeu o jornal Musical para uma conversa sobre seus novos CDs, jazz, música brasileira, clarinete e saxofone.

Jornal Musical Como foi a concepção do disco com o Ociladocê?
Paulo Moura Eu o organizei junto com o Alex Meirelles, o Paulo Muytaert, o Marcos Suzano, o Carlos Negreiros e o Fernando Feijão no Baixo. Ensaiamos lá em Maria da Graça, na casa do Alex. Nós explorávamos esse lado da música brasileira que vem da música africana. Eu, Alex e Paulinho fizemos algumas composições. O nosso material próprio não estava interessando as gravadoras. Ele estava diversificado, tinha composições de cada um e os estilos mudavam. Resolvi oferecer para a Chorus (gravadora original do disco) gravar um CD com músicas de Dorival Caymni e ele foi bem aceito. Aquela concepção que estávamos fazendo com o repertório anterior nós fizemos com músicas do Dorival Caymmi.

JM Como ocorreu o retançamento pela Biscoito Fino?
Paulo Moura A parte de convite de gravadora é um trabalho que, nesta sociedade com a minha mulher, eu sempre credito à habilidade dela. O CD foi apresentado para eles (Biscoito Fino) e houve interesse. Foi uma alegria porque gosto muito desse disco. Tinha até um certo receio de que esse disco não fosse apreciado. E como aconteceu isso (o relançamento), este trabalho foi resgatado.

JM Porque Dorival Caymmy?
Paulo Moura Me pareceu, na época, que era o compositor do qual mais pudesse haver um aproveitamento do repertório dentro, do que nós queríamos fazer, que era o som afro-brasileiro. A melodia e a harmonia dele têm um sabor africano também, por isto é que deu certo. No primeiro lançamento não teve a mesma repercussão que teve agora porque - em geral isso acontece comigo - toda vez que eu gravo um disco instrumental, leva pelo menos uns seis anos para ouvir ele tocar em um supermercado, por exemple. Felizmente o disco está sendo bem aceito.

JM Hoje há um mercado mais receptivo à música instrumental do que naquela época?
Paulo Moura Há sim, tavez por causa da facilidade que existe em pesquisar na Internet. Hoje as pessoas são incentivadas a buscar essas músicas novas, que realmente gostam, e não ficarem só presas a isto que chamam de ditadura dos rádios.

JM Na sua carreira você teve relação com muitas linguagens musicais diferentes, seja música erudita, seja chorinho ou jazz. Como é trabalhar com tantas linguagens diferentes?
Paulo Moura Na adolescência, eu comecei ensaiando na Orquestra Sinfônica da UNE. Ao mesmo tempo eu freqüentava jam sessions em uma época (início dos anos 50) muito rica do jazz aqui no Brasil. Havia músicos como o Maestro Cipó, o Dick Farney e o jazz era muito aceito na sociedade. Eu já comecei aprendendo estas duas coisas tão diferentes em linguagem e estilo. Na mesma época, para sobrevivência, tinha que tocar em baile. Tocava em gafieiras e freqüentava o ponto dos músicos na Praça Tiradentes, onde os diretores de orquestra chegavam e montavam as bandas para os bailes de fim de semana. Eu trabalhava tocando saxofone e clarinete. Mais tarde, quando fui convidado para tocar na orquestra do Oswaldo Borba, na Rádio Globo, é que tive a minha primeira entrada na área de músicos de primeira categoria. Logo depois fui convidado para viajar com o Ary Barroso no México(1953), com uma orquestra grande, onde eu era o primeiro saxofone. Eu fui já imaginando que estaria perto dos EUA. Depois fui lá e fiquei uma semana encontrando músicos como Dizzy Gillespie e assistindo outras coisas, tendo a primeira impressão do que era a vida jazzistica "in loco".

 

 

JM O chorinho está em um momento de afirmação como a música instrumental do Brasil. Quais são as diferenças em relação ao jazz?
Paulo Moura Meu pai, como primeiro professor de música, me ensinou alguns choros. Outras aprendi lendo em álbuns de choro e ouvindo os grandes solistas brasileiros. Quando comecei a tocar profissionalnente, nos bailes e orquestras, a necessidade que eu tinha era assimilar a maneira padrão de tocar. O músico que tocava em orquestras tinha que saber a linguagem jazzística, os acentos rítmicos do jazz. Nessa época me aprofundei bastante na história do jazz, na maneira como se tocava, etc. Só depois, lá pra 1976, é que resolvi parar um pouco de tocar jazz e tocar música brasileira, o que hoje faço com muito mais espontaneidade do que tocar jazz. Existe uma diferença na acentuação. Mesmo os licks do jazz podem ser feitos de uma maneira que seja brasileira. É só mudar o acento. Tem uma diferença rítmica que talvez seja difícil de explicar, mas que o músico brasileiro atento percebe e se adapta, além de que o diálogo com a percussão é muito mais exigido na música brasileira que no jazz.

JM Você é um músico de muitas parcerias. Teve um disco com o João Donato ano passado e, atualmente, uma parceria com o pianista Cliff Korman. Você gosta de parcerias, não?
Paulo Moura São amigos e músicos que eu admiro. A oportunidade que temos para conviver mais é tocando juntos, e isso aconteceu com o Yamandú Costa, com o Cliff, com o João Donato e, mais recentemente, com Josildo de Sá. Um cantor de forró do Recife que conheci há uns dois anos atrás. Resolvemos fazer um disco juntos buscando uma linha divisória entre a gafieira e o forró, o que deu em um samba tradicional do sertão do Recife chamado Samba de Latada. Esse disco também está saindo agora. É um samba com zabumba e acordeom. Mas também tem baixo, bateria e guitarra.