Paulo Moura, o mago da mistura
João Fernando Gomes de Oliveira  
 

Estou indo visitar um amigo no hospital, o grande mestre Paulo Moura. Pode ser a última vez que vou vê-lo, pois sei que ele tem poucas chances de sobreviver. Sinto a necessidade de entender sua genialidade.

Sua obra representa uma revolução na música instrumental. Posso dizer sem exagero que ele recriou a música instrumental brasileira. O Paulo traz consigo uma combinação perfeita entre genética e cultura. A genética vem de uma família de músicos. O pai, Pedro, era mestre de banda em São José do Rio Preto. Paulo, o filho mais novo, seguia pai e irmãos nos estudos dos instrumentos de madeira, em especial a clarineta e o sax.

A cultura musical era resultado de uma fusão apaixonada entre o clássico, o jazz e a expressão mais pura da música popular, a gafieira. Ainda menino foi o primeiro colocado no concurso para primeiro clarinetista da orquestra do teatro municipal do Rio de Janeiro. Era perfeccionista com a afinação e a técnica. Foi também o primeiro músico que se tem conhecimento a gravar o “Moto Perpetuo” de Paganini na clarineta. A peça, criada para violino, tem mais de 2.400 notas tocadas rapidamente, sem pausa. Ao estudar a técnica de respiração circular, usada para sustentar notas muito longas, ele conseguiu executar a obra de Paganini de quatro minutos sem parada para respirar. Alem da técnica apurada, sua percepção para o clássico sempre foi notável.

Paulo Moura foi também um estudioso do jazz. Participava das reuniões do Sinatra Farney Fan Club, com seu amigo João Donato, onde ouviam e entendiam a linguagem do jazz. Paulo aprendeu a identificar os músicos de jazz apenas ao ouvir o som. Ele reconhecia não somente o solista, mas também o pianista, o baixista e todos os outros integrantes da banda. Eu sempre fazia uma brincadeira com ele, colocava um CD para tocar, sem ele ver, e depois perguntava que som era aquele. A resposta era dedutiva e quase imediata. Bastavam alguns segundos de audição para ele falar o nome de cada músico da banda. Nunca errou! Era também impressionante como tocava Charlie Parker. Poucos ouviram, mas ele sabia todos os standards do gênio do “beebop”.

A busca por entender o swing do samba espontâneo foi seu terceiro objeto de estudo. Paulo morou em frente a uma escola de samba. Ele observava que a dança da baiana era atrasada em relação ao beat do surdo. Uma coisa preguiçosa, malandra, mas muito precisa e natural. Essa capacidade de observação fez com que ele desenvolvesse uma expressão inigualável do samba que arrasava nas gafieiras. A combinação dessa percepção e da convivência com gênios como Pixinguinha, Zé da Velha e Jacob do Bandolim transformou Paulo Moura no criador do choro moderno.

Mas foi a fusão de todas essas competências que formaram o Paulo Moura que hoje tanto admiramos A mistura era a sua palavra chave, mistura de genética com cultura musical, de clássico com jazz e com choro, de perfeccionismo com improviso, de alegria com paixão. Tudo isso na pessoa de um único maestro, um gênio, um monstro sagrado que conquistou tantos. Nomes como Cannonbal Adderley e Maria Schneider ficaram fascinados com sua expressão.

Paulo, que o mundo aprenda um pouco dos seus segredos e da sua obsessão pelo perfeito, que descubra como você misturou e mandou tão bem...