Gravadora lança primeiro disco póstumo de Paulo Moura
Daniela Fenti
diarioweb.com.br
 
 

Aquele rosto simpático, emoldurado por cabelos grisalhos, era o de sempre. Paulo Moura (1932-2010), rio-pretense considerado um dos maiores clarinetistas do mundo, apresentava “Pixinguinha: um Choro de Cem Anos”, no teatro do Sesc Rio Preto, em 25 de abril de 1997, para uma plateia recheada de amigos.

Em certo momento, seu par de olhos azuis brilhou de um jeito diferente. A mão esquerda abaixou o instrumento. A direita se levantou. E ele cantou e regeu “Carinhoso”. “Da posição em que eu estava, abaixo do palco, tinha a sensação que o maestro flutuava, como um anjo regendo um coral. Disparei uns três fotogramas, não mais que isso”, conta o fotógrafo local, Toninho Cury, responsável por eternizar a imagem preferida do artista.

A foto, que ilustrou os cartazes de divulgação de uma turnê pela Europa e o disco “K-Ximblues” (2001), foi a escolhida pela viúva de Moura, Halina Grynberg, para ilustrar também a capa de “Alento: Paulo Moura & Teatro do Som” (Biscoito Fino, 2011), o primeiro disco póstumo, inédito, e o 41º da carreira de Paulo Moura, iniciada com “O Moto Perpétuo” (Columbia, 1956).

O projeto surgiu em 2005 e chegou às lojas no fim de janeiro. Durante esse período, quando não estava em turnês e ensaios, o clarinetista e compositor costumava visitar Paulo Martins, chamado por ele de Paulinho. As tardes informais para “jogar música fora”, às quartas-feiras, renderam nove faixas, gravadas em estúdio doméstico, das quais cinco assinadas por ele - “Abertura 3D”, “Road Movie”, “Mulatas e Etc”, “O Portador do Segredo” e “Dia de Festa”.

Martins, que foi aluno de Moura em 1974, em um curso de flauta, agregou outros artistas ao trabalho, provenientes do grupo Teatro do Som, fundado em 1985. Do trio ao septeto, o álbum exala variedade sonora por meio de Alex Meirelles (teclados e voz), Marcos Zama (percussão) e Ricardo Feijão (violão e baixo). Também participam os convidados especiais Marcio Malard (cello), Ricardo Silveira (violão e guitarra), Alessandro Bebe Kramer (acordeon), Daniel Guedes (violino) e Gabriel Grossi (gaita).

Halina conta no encarte que Moura estava admirado com o fato de os músicos não se entediarem com “os intermináveis detalhes harmônicos, as exigências de refinar o sopro e regular a orquestração, a inquietação com o desenho melódico, a mescla de sons sintetizados e o acrescentar de instrumentos e timbres.”

“Nossa maior dificuldade foi a falta de continuidade. Nossos encontros eram esparsos e ele sempre tinha outros compromissos. O projeto demorou mais do que imaginávamos e cheguei a pensar que seria impossível finalizá-lo”, diz Martins, que também é produtor do material.

 

Rio Preto

Filho de Pedro Gonçalves de Moura e de Cesarina Cândida de Moura, Paulo Moura nasceu em 15 de julho de 1932. A casa humilde onde passou a infância ficava na esquina das ruas Quinze de Novembro e Independência, na área central de Rio Preto.

Ainda pequeno, mostrou-se disciplinado para aprender música com o pai, figura conhecida nos bailes da comunidade negra, que queria preservar os filhos dos campos de batalha da Segunda Guerra Mundial. Mudou-se com a família para a Tijuca, no Rio de Janeiro, aos 13 anos, onde fincou raízes e tornou-se um dos mais importantes instrumentistas brasileiros.

Em 1997, a Secretaria de Cultura de Rio Preto criou o Festival Internacional de Música Paulo Moura, com curadoria do próprio homenageado. Mas os altos custos com convidados, como Baden Powell, inviabilizaram a continuidade em 1999.

Dez anos mais tarde, o Instituto Brasileiro da Cidadania (Ibrac) lançou o projeto Rio Preto Instrumental para promover a inclusão social e cultural. Entretanto, também por problemas financeiros, a ideia não passou de um workshop e de um show no Teatro Municipal “Humberto Sinibaldi Neto”.

O artista morreu de câncer três dias antes do aniversário do ano passado, na capital carioca. A Prefeitura de Rio Preto decretou luto oficial por três dias. No início deste mês, a escola de samba estreante Acadêmicos de Rio Preto venceu o Carnaval com o enredo “Paulo Moura, de Rio Preto para o Mundo”. Parentes que ainda moram na cidade participaram do desfile.

Faixas do disco:
1 – Abertura 3D. Autores: Paulo Moura, Alex Meirelles e Paulo Martins
2 – Road Movie. Autores: Paulo Moura e Alex Meirelles
3 – Mulatas e Etc. Autor: Paulo Moura
4 – Mantra do Rio. Autor: Alex Meirelles
5 – O Portador do Segredo. Autores: Paulo Moura e Ricardo Feijão
6 – Ojú Obá. Autor: Alex Meirelles
7 – Dia de Festa. Autores: Paulo Moura e Alex Meirelles
8 – Troca de Olhares. Autor: Alex Meirelles
9 – De Volta a Alexandria. Autor: Alex Meirelles