Saxofone e clarineta
Redação
O Globo
 
 

Maestro, compositor, clarinetista e saxofonista, Paulo Moura é um dos expoentes da música instrumental brasileira. Influenciado pelo jazz e pela velha guarda da música popular brasileira, iniciou sua carreira de músico nas gafieiras do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que fazia carreira na música erudita, como clarinetista da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal. Com vários discos gravados a uma carreira consolidada no Brasil, na Europa e nos Estados Un idos, vem atuando em diversas formações orquetrais e nos mais variados estilos. Seu último trabalho, 'Estação Leopoldina', reúne a nata musical carioca: Laudir de Oliveira (congas, surdos e cuíca), Chico Chagas (acordeão), Carlinhos Sete (violão), Marcio Almeida (cavaquinho) e PauLinho Black (bateria), além das participações especiais do Marcos Zama (percussão) e Rodrigo Lessa (bandolim) que revisam magistralmente algumas canções que foram sucesso nas rádios da década de 40 e 50.

Os espaços que a cidade tem para divulgacão da música instrumental fazem juz à sua importância para a cultura?

Eu acho que ainda é preciso mais espaços e mais divulgação também por parte da imprensa. De fato o interesse pela música instrumental não vem sendo mantido como no passado, porque alguns produtores acreditam que o povo não está preparado para entendê-la. Mas já tivemos momentos de maior esquecimento. Acho que hoje, de tanto algumas pessoas reclamarem da falta de espaços, os produtores estão se organizando e se mobilizando para reduzir os obstáculos que se impõem a uma divulgação maior da música instrumental. Iniciativas como a do SESC e da sala Baden Powel são fundamentais.

O problema não é falta de interesse do público?

Na minha avaliação, basta ter produção para o público aparecer. Principalmente no Rio de Janeiro, que é um lugar onde há mais repercussão musical e a criatividade é mais disponível, além de ser uma cidade que tem tradição de produção musical, como Villa-Lobos e tantos outros que criaram estilos. Eu acabo de chegar de uma série de apresentações, por várias regiões do país, e o público foi superior a 4 mil possoas, que é muito bom.

Quais foram, na sua formação, as maiores fontes de inspiração e de conhecimento da música instrumental?

Há muitos nomes, mas alguns como Radamés Gnattati, Maestro Carioca, Maestro Cipó e Moacir Santos - com quem estudei - e instrumentístas como Paschoal de Barros, K-Ximbinho e Luiz Americana foram essenciais. Não podemos negar também a influência que veio de fora do país. Eu toquei em orquestra o os músicos sempre estavam atentos ao que acontecia nos Estados Unidos e na Europa. A gente assimilava os novos ritmos e depois dava uma forma mais brasiLeira, mais carioca às músicas. Esta adaptação de estilo era muito comum.

 

A música instrumental dá mais liberdade de improvisação e de recriação?

A música instrumental tem sua forma diferente da canção popular, da canção cantada com letras. A partir da MPB, a poesia da canção se tornou mais importante que a melodia para muitos compositores. E foi por isso que muitos instrumentistas começaram um movimento de compor choro e outros ritmos que são distintos da canção popular. A variação e a improvisação foram se tornando mais inspiradas no trabalho do Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Baden Powel e outros. Aos poucos os jovens vão se acostumando a fazer uma improvisação com uma cara mais brasileira.

Está havendo uma retomada do interesse pela música instrumental, então?

Não saberia explicar porque, mas sinto que há uma retomada sim. Este movimento na verdade não é tão novo, começou quando as pessoas que foram exiladas pela ditadura militar começaram a retornar ao país e sentiam falta do prazer de ouvir uma boa música instrumental. Depois, com a internet, este movimento ganhou impulso porque fica mais fácil furar o bloqueio da mídia e das rádios comerciais. O trabalho como o que vem sendo feito pelo SESC também tem sido de grande importância para o público que gosta deste tipo de ritmo e muitas vezes não ouve par falta de oportunidade. Sempre que faço apresentações, ouço queixas do público que reivindica mais espaço para a música instrumental.

Você acha que há resistências de alguns setores à divulgação da música instrumental?

Quando estive no Conselho da Cultura, no governo Marcello Alencar, e não faz tanto tempo assim a música instrumental estava longe de ser o que é hoje, era um período incomparavelmente mais difícil. Sempre que eu falava sobre a música instrumental, percebia que nossos intelectuais, com raras exceções, não sabiam nada do que acontecia nesta área da cultura, na nossa música instrumental.

E o que seria da bossa nova sem o movimento dos arranjadores que recriavam - e recriam até hoje - sambas e choros para orquestra de jazz, com base na técnica americana, nas big-bands?

E esse trabalho de arranjo foi um dos caminhos que levaram a bossa nova, que não existiria se não fosse essa evolução. Estação Leopoldina é seu último disco.

Qual a marca desse seu novo trabalho?

Nesto disco eu tive a intenção de relembrar músicas dos tempos da rádio, conjuntos pequenos, regionais, que sempre tinham um violão, um cavaquinho, e o repertório que se tocava nas décadas de 40 e 50. O CD tem músicas de Vinícius de Moraes, Luiz Eça, Jacob do Bandolim e João Donato, além de músicas de minha autoria e de outros compositores.