Um batuta do nosso tempo
Maria Aline
Revista D'Art
 
 

Maria Aline - Paulo, a gente sabe que existem muitos intérpretes de Pixinguinha por aí, mas você além de intérprete é um arranjador. Como é esse seu trabalho de arranjar e recriar sobre a obra do mestre?
Paulo Moura A música de Pixinguinha já está toda composta. Eu faço algumas adaptações, mas nesse disco que gravamos, Paulo Moura e os Batutas, eu não mudei nada em termos de harmonização, porque os músicos que me acompanham são experientes e conhecedores da tradição da música de Pixinguinha. Então, o grupo toca dentro daquela harmonia já estabelecida. O que eu fiz, em algumas músicas, foi mudar um pouquinho os andamentos, porque não estou muito de acordo com eles. As pessoas que estão ouvindo ficam incomodadas, pois o discurso é muito lento. Não em todas, é claro, mas em algumas. Como eu penso assim, fiz algumas modificações no ritmo, acelerei um pouco. Em um choro chamado Segura ele, eu também acelerei bastante o ritmo e na terceira parte faço um pouco mais lento, dentro de um andamento mais tranqüilo para dar um contraste, pois achei que ficava mais bonito. Não fiz muito mais do que isso, não. O que pretendi nesse trabalho, não foi tanto criar arranjos. Numa conversa com o grupo tentei fazer uma música dividida entre nós mesmos. Como é muito comum em apresentações de botequins, em que os chorões costumam dividir os solos e cada músico toca um trecho. Na primeira parte, um faz e o outro repete, numa apresentação mais democrática.
Fizemos um pot-pourri com três choros do Pixinguinha: Ingênuo, Lamento e Carinhoso, no andamento original Eu toquei o primeiro, o Joel Nascimento, no bandolim, tocou o segundo e o terceiro ficou a cargo do Zé da Velha, no trombone. No final, eu retomo o Carinhoso e convido o público a cantar comigo.

Essa é uma forma de apresentação do choro como se fazia nos anos 30 e 40?
Não só nos anos 30 ou 40, mas mesmo recentemente, o hábito e a prática de fazer o choro quando tem muitos solistas, é dividir o solo, onde cada um faz uma parte. Mas em gravação isso não se usa muito, porque em geral, ou é um solista de bandolim ou de flauta acompanhado de um Regional, ou é uma orquestração. Nesse caso a orquestra inteira toca a melodia, com destaque para um ou outro solo. Essa maneira, como nós fizemos, de dividir os solos para cada músico, não é muito comum. E encontrada também nas apresentações da música do jazz, onde cada instrumentista tem seu momento de solo e isso eu procurei tirar também do que os americanos fazem. Nesse sentido, eles tocam para o público, um tipo de música num estilo mais teatral. Essa também foi uma intenção que eu tive e parece que deu bom resultado. Não foi necessário escrever para isso, só foi preciso seguir mais ou menos a nossa intuição, a minha e a dos músicos como Zé da Velha, Joel, Jorginho do Pandeiro, enfim, todos.

Nós sabemos que ao longo da história da música a obra de Johann Sebastian Bach vem recebendo muitas recriações por diversos compositores, entre eles o nosso Villa-Lobos. No âmbito da música popular a obra de Pixinguinha também possibilita recriações, ou seja o "velho" Villa estava certo em comparar o Pixinguinha ao Bach, o que você acha disso?
Os choros de Pixinguinha têm uma firmeza na forma e uma precisão nas notas escolhidas, que é claro, pode-se afirmar que ele é comparável ao Bach. E uma fonte para todo aquele que pretende conhecer e se impregnar de música brasileira. E aquele que se dispuser a isso, fatalmente terá de estudar Pixinguinha. Até o próprio Villa-Lobos deve ter bebido bastante nessa fonte.. Embora a maioria dos choros que ele escreveu tenham sido feitos, é claro, para flauta, podem também ser tocados por outros instrumentos. Ele escreveu, além disso, orquestrações belíssimas, inclusive orquestrações sinfônicas. Pixinguinha não conhecia limites na sua experiência musical.

 

 

 

 

 

Ao que parece Paulo, você é um dos poucos compositores que buscam uma renovação do choro. Você acha que o choro permite uma evolução enquanto linguagem musical?
Permite. E isso tem acontecido. Bom, você sabe, eu tenho alguns choros que escrevi. Mas muitos músicos que eu conheço e inclusive se dedicam ou se dedicaram ao jazz, também escreveram alguns choros. Um exemplo que eu posso citar é K-Ximbinho, que foi um saxofonista da Orquestra Tabajara, que veio lá do Nordeste e gostava extremamente de jazz. Participou de Jam Sessions, de concertos de jazz, escrevendo, fazendo arranjos e compondo. Tem até músicas e arranjos dele editados, inspirados em blues, em gênero jazzístico. Mas, ao mesmo tempo, ele deixou uma série de choros, todos muito bonitos. Alguns deles são também muito conhecidos por todo brasileiro, como Sonoroso, Eu quero é sossego, enfim, tem bastante coisa. Não só ele, podemos citar músicos de hoje, como Marcos Anel, Wagner Tiso, que não é um chorão, mas escreve choros lindos. Egberto Gismont se não escreve um choro completo, ele pelo menos capta o clima do choro e passa para o grupo dele, para a sua composição. Então, isso também é um outro caminho. O choro não é somente um gênero musical, uma forma de canção simplesmente, é também uma forma de tocar. O Hermeto Paschoal tem alguns choros que vão ficar para a eternidade e as composições desses maestros, músicos e colegas, já representam, para mim, uma evolução do choro na sua forma e na sua linguagem. Eu penso que o choro, daqui para frente, tem de ser desenvolvido, se nós nos dedicarmos a isso, porque, é claro, só nós brasileiros é que podemos tocar ou fazer o clima do choro como ele deve ser feito. Também tem essa coisa.