Retrato de Paulo Moura
Halina Grynberg  
 

O retrato de Paulo Moura?

Talvez devesse começar pelo pé direito torcido em ponta de bailarina para mover-se até o canto esquerdo dos lábios no largo do sorriso escancarado. Depois, estender-se até o dedo médio da mão que indica o trecho musical no tempo dos ensaios. E afastar-se, até tomá-lo todo, feito bebê gordo, jeito sem jeito de extrema sensualidade, surpreendido refastelado em colo de moça cheirosa.

Paulo é detalhes inusitados. Improvisa em corpo próprio os gestos e a modulação da música que cria. Não toca clarineta nem sax. É ele o instrumento, sopro inundado de suavidade, peito fluindo precisão e refinamento.

Como fazer para combinar os extremos? A experiência familiar de origem africana e humilde com a ocidentalidade da música de Beethoven que o apaixona? Talvez devêssemos deixar a luz pousar no azul surpreendente do olhar dominando a pele de mouro. Contraste. Invenção.

Paulo é ato em pleno vôo, quase chegando. Onde? Em ideal de beleza e emoção, anseio maior. Ou simplesmente buscando a companhia escolhida para o vinho que teima em ser estrangeiro e queijo de boa estirpe. Não. Talvez esteja no outro extremo da cidade. É que aceitou o convite do guardador de carros, outro fã, para um café ao pé da esquina. Paciente. Curioso. Detido. De repente, afobadinho. Andar pairando sobre nuvens de algodão. Azul, provavelmente, como seu olhar.

Mas acima de tudo, Paulo é sopro, alento, ternura. Som feito de carne e espiritualidade. Mistura inexplicável.