Legado de Paulo Moura ganha fôlego com acervo digitalizado e instituto virtual
Helena Aragão
O Globo
 
 

RIO - Entre os cerca de 11 mil itens do acervo de Paulo Moura há partituras com lembretes por escrito e também recortes de jornal que viravam pauta para alguma frase musical. Tudo isso ficou, por muito tempo, disposto em sua casa, em uma lógica que só ele podia compreender. Halina Grynberg, sua mulher por quase 30 anos, resume como lidava com a situação, dando risada:
— Tentei algumas vezes dar ordem àquele caos criativo, mas sempre na presença dele. Porque se fosse sem ele por perto dava mesmo era em divórcio.

Quando Paulo sucumbiu a um linfoma, em julho de 2010, coube a Halina encarar o material antes “sagrado”. A opção foi lidar primeiro com as entrevistas que ela fez com o marido, que deram origem ao livro “Paulo Moura — Um solo brasileiro”, lançado em 2011. Mas ao longo daquele ano ela começou a preparar o projeto para organizar o manancial de fotos, vídeos, partituras e cartas guardado pelo músico que transitou com naturalidade entre os improvisos do jazz, o ritmo do choro e a alegria da gafieira. Em dezembro, Halina já havia conseguido verba (da Vale), parceria institucional (com o Instituto Antonio Carlos Jobim) e musical (com Cliff Korman, americano radicado no Brasil) para transformar aquele conjunto, antes o tal “caos criativo”, em um material organizado.

Fotonovela multimídia

Deu trabalho — e continuará dando, se Deus quiser. O acervo, que hoje continua na casa de Halina, agora devidamente higienizado e encaixotado, pode ser visitado virtualmente no site do Instituto Antonio Carlos Jobim. E os desdobramentos dele, além de muito material multimídia inédito, estarão a partir de hoje no site do Instituto Paulo Moura. À noite, o lançamento do espaço virtual será celebrado com instalação de Helio Eichbauer e concerto da Orquestra Popular Tuhu no Espaço Tom Jobim, no Jardim Botânico. Em março e abril, outras cidades receberão shows.

— Poderia fazer um Museu Paulo Moura, mas a subsistência de uma instituição física acaba dependente do apoio de governos ou empresas privadas, o que é uma tortura. Já que tenho a obra digitalizada, quero que ela esteja em movimento. É isso que distingue o instituto do acervo.

O acervo tem, portanto, a reunião de matéria-prima que, no site do Instituto Paulo Moura, pode virar narrativa. A começar por uma fotonovela.

— Clicando em alguns pontos dela, você pode ser levado a ver a partitura ou ouvir a música citada — explica Halina, lembrando que o instituto virtual também tem áudios em que Moura aparece como entrevistado ou entrevistador.

Já no site do Instituto Antonio Carlos Jobim, o acervo de Moura faz companhia aos do próprio Tom e de Chico Buarque, Gilberto Gil, Dorival Caymmi, Milton Nascimento e Lucio Costa.

— Talvez seja um dos maiores acervos do nosso site, junto ao de meu pai — diz Paulo Jobim, que coordena o instituto. — Cliff Korman fez um belo trabalho de catalogação das muitas partituras.

A produção de Moura está registrada em pautas musicais, muitas delas escritas a mão. A opção foi dividir em grupos: autorais, dedicadas, arranjos, repertório, gafieira...

— São cerca de 50 músicas autorais. Já de arranjos, temos quase umas sete mil páginas — enumera Halina. — “Tarde de chuva”, por exemplo, deve ter mais de 20 arranjos. Tivemos a preocupação em dar visibilidade a isso.

Shows no Rio, em SP e em São José do Rio Preto

O lançamento do acervo dá novas possibilidades de aproveitamento do legado de Paulo Moura. Não que ele estivesse esquecido — de 2010 para cá, além do livro de Halina, o documentário “Paulo Moura — Alma brasileira”, de Eduardo Escorel, estreou ano passado nos cinemas, e o Teatro Municipal de São José do Rio Preto, cidade natal do compositor, ganhou seu nome.

É este espaço que vai receber parte da série Ensaiando Paulo Moura, com grande programação de concertos, palestras e oficinas que são desdobramento do lançamento do material digitalizado. De 25 a 29 de março, a cidade do interior paulista verá concertos em igrejas (com arranjos de Moura para músicas religiosas), cortejo na rua e o grupo Mistura e Manda, formado por Léo Gandelman, Carlos Malta, Humberto Araújo e Henrique Cazes, entre outros. São Paulo e Rio de Janeiro também serão contemplados com programação gratuita da série. A capital paulista terá apresentação de peças para percussão e orquestra e arranjos sinfônicos para obras populares no Masp, com participação de músicos como Marcos Suzano e Benjamim Taubkin, no dia 30 de março. E os cariocas poderão ouvir arranjos jazzísticos do maestro executados pela Baixada Jazz Big Band (com participação de Gilson Peranzetta), e o dream tream Mistura e Manda, nos dias 10 e 11 de abril.